Negros e brancos sempre se relacionaram sexualmente, seja por amor ou por interesse, a prova é a quantidade de sodomitas brancos e pardos que foram denunciados a Inquisição Portuguesa pela prática do crime de sodomia nos engenhos do Sertão da Bahia e no Rio de Janeiro. |
Por MARCELO CERQUEIRA
No mês que se celebra o dia vinte de novembro como Dia da Consciência Negra faz-se necessário retomar o debate sobre raça e homossexualidade, relação que apesar das conquistas para ambos os lados continua tensa e rechaçada de muita intolerância e preconceito. Como homem homossexual negro, tenho procurado nessa minha vida de luta por inclusão social para a população de gays, lésbicas e transgêneros, construir um diálogo com os movimentos de afirmação racial pontuando a questão da homossexualidade e as suas implicações com a raça. Tenho buscado conhecer quem é esse homossexual negro, o que é que pensa, como vive, como se relaciona com a suposta democracia racial, como se relaciona dentro do grupo da comunidade homossexual.
Conhecer as interdições de liberdade relacionadas à homossexualidade e a raça constitui desafio para todos nós, considerando que falar de homo-afetividade nunca é fácil e os sujeitos sofrem duplamente, por serem negros e por experimentarem uma orientação sexual minoritária circundada por muitas e diversificadas interdições. Para início de um diálogo franco, torna-se importante entender alguns conceitos.
A homossexualidade não pode ser entendida como um vício branco, opressão do macho colonialista. Mesmo antes da chegada do elemento europeu na África a sua prática já existia, seja de forma ritualística ou com a finalidade de atingir o gozo erótico. Colocando a parte o sexo sem permissão, o estupro e a violência sexual, que certamente existiu como acontece até os dias atuais. Negros e brancos sempre se relacionaram sexualmente, seja por amor ou por interesse, a prova é a quantidade de sodomitas brancos e pardos que foram denunciados a Inquisição Portuguesa pela prática do crime de sodomia nos engenhos do Sertão da Bahia e no Rio de Janeiro. Diferente de outros povos europeus, os portugueses não tinham tabu em relação ao corpo negro, ao contrário.
“Trair a raça” é uma condenação/interdição muito comum imposta aos homossexuais afros. Temos de desconstruir este arquétipo negativo porque é fruto da opressão racista representado na fala do macho negro na construção da ideologia de afirmação e aceitação social. Esta prerrogativa reforça que a homossexualidade é coisa de branco, inconcebível ao negro, inaceitável aos negros.
Nessa luta os Terreiros deverão ser importantes parceiros como espaços democráticos de afirmação da diversidade sexual contra as interdições baseadas na intolerância. As religiões de matriz africana rejeitam a o tabu do sexo a partir da tradição, dos mitos e lendas dos orixás. É perfeitamente possível resgatar os arquétipos e a mitologia dos orixás na tradição afro-brasileira, demonstrando que as barreiras e interdições sexuais são muito tênues, embora não chegue a afirmar que nos terreiros vive-se uma sexualidade livre, sem regras. Consideramos crucial resgatar os ícones negros da homossexualidade, como João do Rio, Mario de Andrade, Joãozinho da Goméia, Mário Gusmão e mesmo Madame Satã, negros entre tantos outros que pularam enormes barreiras e não se curvaram frente às interdições da liberdade, deixando para as novas gerações um exemplo a ser seguido na luta por igualdade e democracia sexual e racial.
Que tenham voz e vez os sujeitos homossexuais negros na construção desse diálogo entre a homossexualidade e raça negra! É fundamental estimular as lideranças homossexuais negras abrindo espaços de palavras para que possam se expressar como elementos dessa nova construção social. 100% Negro e Homossexual!
Marcelo Cerqueira é educador e presidente do Grupo Gay da Bahia (GGB), Secretário de Comunicação da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis (ABGLT)E-mail: marcelocerqueira@atarde.com.br
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