sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Mulheres negras por elas mesmas

por Rosângela Praxedes

O ponto de vista das mulheres sobre as suas circunstâncias quase nunca está plenamente representado na literatura. Quando pensamos nas representações sobre as mulheres negras e suas realidades específicas na sociedade brasileira, então, é fácil percebermos como as identidades estão diluídas nas representações dominantes construídas sobre as “mulheres” em geral.
Em muitos textos considerados clássicos, as mulheres negras aparecem para servir a mesa e a cama, arrumar a casa e desaparecem. Essas representações estão amplamente difundidas, mas nenhum texto as sintetizam melhor, ou pior, do que “Casa Grande & Senzala”, de Gilberto Freyre, por expressar as narrativas dos senhores de escravos que combinam opressão colonial racista com submissão patriarcal. As histórias que envolvem mulheres negras ocorrem em ambientes das classes abastadas, protagonizadas pelos proprietários e proprietárias quase nunca negros, nunca mulheres negras.
Vou tratar neste pequeno ensaio de dois livros que estão na contramão das narrativas que mencionei acima, pois expressam de modo próprio a voz subalterna e feminina. Os dois livros foram encontrados por mim em situações que traduzem bem aquele tipo de situação que a escritora Ana Maria Gonçalves chama de serendipidade: uma palavra “usada para descrever aquela situação em que descobrimos ou encontramos alguma coisa enquanto estávamos procurando outra, mas para a qual já tínhamos que estar, digamos, preparados”.[AOZ1]
Estava na livraria procurando um livro infantil para meu filho, quando me deparei na estante de obras destinadas ao público infanto-juvenil, com o título “Quarto de Despejo”, de Carolina Maria de Jesus. Título e autora cujos nomes me soam familiares desde a minha infância, mas que não sei bem porque ainda não havia lido. O livro foi publicado pela primeira vez em 1960, depois do manuscrito e a autora terem sido descobertos pelo jornalista Audálio Dantas, enquanto este fazia uma reportagem sobre a favela do Canindé, nas margens do rio Tietê, na cidade de São Paulo. Comprei o livro, mesmo sem encontrar um título adequado ao meu filho. Li naquele mesmo dia o “Quarto de Despejo”. Fiquei impressionada com a intensidade do relato daquela mulher negra e favelada, subalternizada pelas relações de exploração econômica, somadas às chamadas assimetrias de gênero, vítima do racismo e da exclusão social e cultural. Ao mesmo tempo fiquei triste por saber que as situações descritas naquele livro, muito longe de terem acabado, definem as condições de vida de inúmeras outras Carolinas, passadas já quase cinco décadas do lançamento do livro.
Carolina é uma mulher que procura manter sua integridade em meio à miséria proporcionada aos pobres, negros e índios na sociedade de consumo. Neste livro ela relata a miséria em seu cotidiano de catadora de papel na rica cidade de São Paulo. Seus relatos nos remetem à vida difícil da moradia improvisada, da fome, das doenças, das mortes, mas trazem também a ternura pelos filhos, a busca da dignidade, o amor pelos homens, o sonho de ser escritora, o amor à vida. Tudo isso expresso com a voz própria que construiu inspirada pela sua visão informada pela consciência de gênero e da discriminação racial de que era vítima. Podemos depreender esta consciência em uma passagem singela do seu relato em que ela associa a dificuldade para garantir a alimentação para a sua família com a exploração econômica que trata gente e gado, simplesmente como mercadorias. Leiamos o seu relato:
23 de junho... Passei no açougue para comprar meio quilo de carne para bife. Os preços eram 24 e 28. Fiquei nervosa com a diferença de preços. O açougueiro explicou que o filé é mais caro. Pensei na desventura da vaca, a escrava do homem. Que passa existência no mato, se alimenta com vegetais, gosta de sal mas o homem não dá porque custa caro. Depois de morta é dividida. Tabelada e selecionada. E morre quando o homem quer. Em vida dá dinheiro ao homem. E morta enriquece o homem. Enfim, o mundo é como branco quer. Eu não sou branca, não tenho nada com estas desorganizações”. (p. 63)
A mulher negra e pobre ergue a sua voz para denunciar a opressão promovida por aquele que comanda a circulação das mercadorias, a exploração econômica e a opressão de gênero e de raça: o homem branco proprietário
Mais serendipidade. Ainda estava com este livro na cabeça quando encontrei um amigo que não via há tempos, o José Apóstolo, também colunista deste Espaço Acadêmico. Ele, sempre preocupado em “salvar o mundo”, me disse que estava pensando em participar de um projeto de implementação de políticas culturais na periferia de São Paulo. A conversa se voltou ao “Quarto de Despejo”, e depois de ler e se sensibilizar com o livro e a sua indiscutível atualidade surgiu-lhe a idéia de montar na periferia uma biblioteca de autores afro-brasileiros. Passamos a imaginar a biblioteca que seria implementada em algum daqueles bairros, com pouca infra-estrutura de lazer e de habitação, distante do centro financeiro e político da cidade e que certos cientistas sociais e jornalistas denominam como “cidades dormitórios”, bairros em que os adultos e os que têm idade para trabalhar e emprego, deixam de manhã e voltam só à noite para dormir. Dando um salto neste relato, a biblioteca não é mais simplesmente uma idéia, um sonho ou um projeto. Já existe, o bairro é o nada sonolento Cidade Tiradentes, na Zona Leste da capital paulista, e o nome não poderia ser outro, é “Biblioteca Carolina de Jesus”. Quem sabe os livros possam colaborar para que as tantas Carolinas desse bairro encontrem referências na literatura e resolvam resgatar a sua voz contra a subalternidade e as conseqüências nefastas das condições precárias de sobrevivência que o mundo atual lhes apresentam.
Mas tudo isso me veio à lembrança depois de encontrar um outro livro, de novo sem que eu o estivesse procurando, e veio pelas mãos de uma pessoa muito especial. Ele me convidou para uma sessão de cinema no shopping. Aceitei com peso na consciência afinal estava lotada de trabalho, mas estava precisando de distração, havia dias que não saía de casa. Grande decepção, a sessão do filme escolhido estava lotada, os outros filmes não valiam a pena. Pensamos em comprar ingressos para a próxima sessão, mas fomos até a livraria tomar um café, idéia que partiu dele e que não gostei, pois a última coisa que queria ver naquele momento eram livros, novos livros. Estava vivendo dia e noite rodeada por livros, que precisava consultar para encerrar vários relatórios de trabalho e para finalizar a minha pesquisa de mestrado. Cada vez que ia a uma livraria me ocorria a sensação angustiante de que nunca conseguiria terminar de ler toda a literatura necessária à minha pesquisa, a cada dia surgindo novos títulos importantes. Mas para não ser deselegante com homem tão bonito, educado e gentil, fomos à livraria.
Logo na entrada, nas gôndolas de lançamentos, um livro parecia que me chamava, parecia ter umas mil páginas, tinha uma capa bem bonita. Realmente eu não queria ver livros, mas não tinha mais jeito, eu já estava interessada naquele, fomos para o café, e enquanto conversávamos acompanhados do meu chocolate quente e do favorito dele, café expresso com creme, fui folheando aquela obra que já me fascinara.
De novo uma escritora, Ana Maria Gonçalves, uma mulher negra, contando a história de outra mulher, outra mulher negra. A habilidade com as palavras, a sensibilidade para falar das tragédias humanas, a história de Kehinde. O livro é “Um Defeito de Cor”, e narra a trajetória de Kehinde/Luísa, uma africana que chegou ainda criança, como escrava em terras brasileiras. É uma narrativa construída por uma jovem e mais que talentosa escritora, que revela os relatos de Kehinde, seu cotidiano, a vida  vista a partir da Senzala e não da Casa Grande, a partir dos olhos de uma menina, de uma mulher, e não a partir do ponto de vista masculino ou do ponto de vista de um homem.
Além da narrativa instigante, foi nestes dois sentidos, o de gênero e o de situação social, que este livro me “encantou”, e esta é a melhor palavra para definir a minha relação com esta obra inigualável, porque desde que o tomei nas mãos, sempre arrumo tempo para ler algumas de suas 952 páginas e penso como foi bom aceitar o convite para ir ao cinema. A história das mulheres negras em nosso país ainda está para ser contada em romances, em teses, em novelas, em canções. Há muito o que escrever sobre uma sociedade racista e sexista, que destina à mulher negra as piores condições sociais. Desde a escravidão nossas ancestrais desempenharam a função da “mãe-preta” que muitas vezes era obrigada a abandonar seus próprios filhos para alimentar e cuidar dos filhos dos escravocratas. Essa situação não é muito diferente atualmente, se considerarmos tantas e tantas mulheres negras que passam o dia cuidando de crianças de suas patroas, enquanto seus filhos ficam sozinhos em casa, expostos a inúmeros riscos. Sem contar o tratamento dado à mulher negra, como portadora de um corpo dotado de uma sexualidade exótica, que é ensinado por uma ideologia racista que representa a pessoa negra como selvagem, situada em uma posição inferior na escala evolutiva em relação aos brancos e mais próxima da natureza animalesca.
Mas estas circunstâncias adversas não nos inspiram atitudes lamentativas e de vitimização. Pelo contrário, o contexto social e cultural de formação das mulheres negras nos proporciona a necessidade de atitudes não contemplativas. Apesar desta situação injusta e não condizente com uma sociedade democrática, lutamos contra a identificação das mulheres aos estereótipos de  submissão e dependência associadas à figura feminina pelo imaginário machista e patriarcal. Como nos ensina a professora norte americana Bell Hooks, a “educação para a conscientização crítica pode fundamentalmente alterar nossas percepções da realidade e de nossas ações.” 
Agora, quando a nossa história e as circunstâncias em que vivemos são narradas com voz própria por grandes escritoras como Carolina Maria de Jesus e Ana Maria Gonçalves, ah!, então, me chega o contentamento de fazer parte deste universo, de ter crescido e convivido com tantas culturas, e de sentir que todos têm histórias dignas de serem narradas.
Todos nós, mulheres e homens, negros e não negros, temos muito que aprender se nos voltamos a ouvir e a ler os relatos de resistência, de amores, de lutas contadas pelos povos que aqui viveram sofrendo, mas sobretudo resistindo à opressão econômica, racista e sexista.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Lançamento da Antologia Negrafias–Literatura e Identidade vol.3

(Divulgação)

Chamação para o lançamento da antologia Negrafias – Literatura e Identidade vol. 3

O Convite é irresistível: Lançamento da antologia Negrafias – Literatura e Identidade vol. 3. São vinte autor@s, que se debruçam sobre o pálido papel, com liberdade criativa, formando um mosaico de gênero, alcançando outra forma de contar nossa história. Como descrito na orelha do livro “Negrafias é chama de fogueira justiceira que queima o pau apodrecido e alumia o pensamento. É lâmina de obé amolado que rasga o pálido conforto da consciência incolor de mocinhos e mocinhas. É água de chuva, daquelas que purifica a vida e rega colheita. É livro que contém histórias e personagens imateriais, porém de uma realidade tão porosa que será difícil não ser, de algum modo, cúmplice. É um prazer servir na sua mesa um cardápio literário repleto de negros contos, poesias e ousadias”(...).
O local do lançamento será no recomendável Bar Paiol, do nosso amigo Bru, que se localiza na Rua Inácio Pereira Rocha, n. 273 no bairro de Pinheiros a partir das 20hs. Ficaremos muito contentes com a presença de tod@s vocês para que possamos celebrar mais essa conquista e trocar positivas energias!

O valor arrecadado com a venda deste livro será destinado para a construção de um espaço comunitário na Comunidade de Terreiro Ilê Axé de Yansã, no município de Araras/SP.

Autores participantes:
Organização: Marciano Ventura
André Luis Patrício (SP), Andrio Candido (SP), Damazze Lima (SP), Elis Regina Feitosa do Vale (SP), Fau Ferreira (BA), Fernanda Rodrigues Miranda (SP), Geranilde Costa e Silva (CE), Hamilton Borges Walê (BA), Janaína Santana (SP), Jociara Keila (SP), Juliana Queiroz (SP), Marcelo Mafra (SP), Marciano Ventura (SP), Marcio Folha (SP), Nina Silva (RJ), Paulo Cigano (SP), Pollyanne Carlos da Silva (PE), Priscila Preta (SP), Sirlene Santos (SP), Sueide Kintê (BA).

Programação
Mestre de Cerimonia: Rubão O Iluminado
Grupo Raizarte – O malandro e a dançarina
Dança a Oxum - Coletivo Cultural Esperança Garcia com participação de Giovani di Ganzá
DJ Edmilson, o Dj Diferenciado
Pocket show com Felipe Augusto - Quilombrasa
Sarau de Poesia
Lançamento do  IV Zine Coletivo Cultural Esperança Garcia
Mercado Preto: Omosholá Artes Africanizadas , cds, artesanatos.
Atrações surprezas!!!


Ciclo Contínuo de Literaturas
Coordenação Geral/Editorial: Marciano Ventura

Coordenação de Produção: Valéria Alves de Souza

Coordenação Pedagógica: Sylvia Sabrina Santander

Projeto Gráfico e capa: Denis A. Figueiredo

Ilustração da Capa: Conde (in memoriam)

Revisão: Fernanda Rodrigues de Miranda

Colaboradores: Marcio Custódio de Oliveira, Elis R. do Vale Feitosa, Samuel Galvase, Rubens Barbosa Leal

Apoio: Ilê Axé de Yansã e Bar Paiol

Patrocínio
Programa VAI/Prefeitura de São Paulo

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Palava em Cena - 5 Poetas em Cena



Fonte: http://janaina-santana.blogspot.com/

Ato de repúdio pelo assassinato de mulheres - BASTA DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER!

No ano de 2011 duas mulheres foram brutalmete assassinadas por parceiros íntimos no Jardim Bandeirantes, localizado no Lajeado, Zona Leste da Capital, distrito apontado com maior índice do Município em relação à internação em unidades hospitalares por agressão de mulheres de acordo com o Observatório Nossa São Paulo (Fonte: AIHs/Datasus).

Diante destes acontecimentos estamos convidando tod@s para fazer um ATO DE REPÚDIO.



 09/12/2011 (SEXTA FEIRA)
15H00

LOCAL: RUA ALECIO PRATES, PRÓXIMO AO NÚMERO 84

O objetivo do Ato é unir e comprometer a sociedade para denunciar qualquer tipo de violência contra a mulher e incentivar para que as mulheres que vivem violencia se esforcem para denunciar.

AJUDEM-NOS A DIVULGAR!
COMPROMETA-SE
TOME UMA ATITUDE
EXIJA SEUS DIREITOS

Convidam:
Associação de Voluntários Integrados no Brasil (AVIB)
Casa Cidinha Kopcak
Católicas pelo Direito de Decidir
Centro de Infromação da Mulher (CIM)
Cine Campinho - Criança Feliz
Coletivo Anastácia Livre
Coletivo Arte Malokera
Instituto Paulista de Juventude (IPJ)
Liga Brasileira de Lésbicas (LBL)
Marcha Mundial das Mulheres
Movimento de Cultura Os Guaianás
Movimento de Mulheres Olga Benário
Centro de Referência da Assistencia Social do Lajeado e de Guaianases (PMSP)
União dos Movimentos de Moradia de São Paulo

Racismo no Colégio Anhembi Morumbi - Estagiaria forçada a alisar o cabelo para manter a 'boa aparência'

Estagiária se recusa a alisar cabelo e é hostilizada no trabalho
A estagiária Ester Elisa da Silva Cesário acusa seus superiores de perseguição e racismo. Conforme Boletim de Ocorrência registrado no dia 24 de novembro, na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) de São Paulo, ela teria sido forçada a alisar o cabelo para manter a "boa aparência". A diretora do Colégio Internacional Anhembi Morumbi ainda teria prometido comprar camisas mais cumpridas para que a funcionária escondesse os quadris.
Ester conta que foi contratada no dia 1º de novembro de 2011, para atuar no setor de marketing e monitorar visitas de pais interessados em matricular seus filhos no colégio, localizado no bairro do Brooklin, na cidade de São Paulo. A estagiária afirma ter sido convocada para uma conversa na sala da diretora, identificada como professora Dea de Oliveira. Nos dias anteriores, sempre alguém mandava recado para que prendesse o cabelo e evitasse circular pelos corredores.
"Ela disse: 'como você pode representar o colégio com esse cabelo crespo? O padrão daqui é cabelo liso'. Então, ela começou a falar que o cabelo dela era ruim, igual o meu, que era armado, igual o meu, e ela teve que alisar para manter o padrão da escola."
Além das advertências, Ester afirma ter sofrido ameaças depois de revelar o conteúdo da conversa aos demais funcionários do colégio. Eles teriam demonstrado solidariedade ao perceber que a estagiaria estava em prantos no banheiro.
"Depois disso, eu me vesti para ir embora e, quando estava saindo, ela me parou na porta e disse: 'cuidado com o que você fala por aí porque eu tenho vinte anos aqui no colégio e você está começando agora. A vida é muito difícil, você ainda vai ouvir muitas coisas ruins e vai ter que aguentar'."
Colégio se defende
Após contato da reportagem, um funcionário indicado pela Direção do Anhembi Morumbi informou que a instituição não recebeu nenhuma notificação sobre o registro do Boletim de Ocorrência. Ele negou a existência de preconceito e se limitou a dizer que "o colégio zela pela sua imagem e, ao pregar a 'boa aparência', se refere ao uso de uniformes e cabelo preso".
A advogada trabalhista Carmen Dora de Freitas Ferreira, que ministra cursos no Geledés – Instituto da Mulher Negra – assegura que a expressão "boa aparência" é usada frequentemente para disfarçar preconceitos.
"Não está escrito isso, mas quando eles dizem 'boa aparência', automaticamente estão excluindo negros, afrodescendentes e indígenas. O padrão é mulher loira, alta, magra, olhos claros. É isso que querem dizer com 'boa aparência'. E excluir do mercado de trabalho por esse requisito é muito doloroso, afronta a Lei, afronta a Constituição e afronta os direitos humanos."
Métodos conhecidos
De acordo com o depoimento da estagiária, as ofensas se deram em um local reservado. A advogada explica que essa prática é comum no ambiente de trabalho, além de ser sempre premeditada.
"O assediador sempre espera o momento em que a vítima está sozinha para não deixar testemunhas, mas as marcas são profundas. O preconceito é tão danoso, que ele nega direitos fundamentais, exclui, coloca estigmas, e a pessoa se sente humilhada, violentada. Quando o assediador percebe a extensão do dano, ele tenta minimizar, dizendo 'não foi bem assim, você me interpretou errado, eu não sou discriminador, na minha família, a minha avó era negra'."
Ester ainda afirma que teria sido pressionada a deixar o trabalho, ao relatar o ocorrido a uma conselheira do Colégio. Como decidiu permanecer, passou a ser vigiada constantemente por colegas.
"Eu estou lá e consegui passar numa entrevista porque sou qualificada para o cargo, mas ela não viu isso. Ela quis me afrontar e conseguiu abalar as minhas estruturas emocionais a ponto de eu me sentir um lixo e ficar dois dias trancada dentro de casa sem comer e sem beber. Você pensa em suicídio, se vê feia, se sente um monstro."
Sequelas e legislação
Ester revela que as situações vividas no trabalho mexeram com sua auto-estima e também provocaram grande impacto nos estudos e no convívio social.
"Desde que isso aconteceu, eu não consigo mais soltar o cabelo. Quando estou na presença dela eu me sinto inferior, fico com vergonha, constrangida, de cabeça baixa. É a única reação que eu tenho pela afronta e falta de respeito em relação a mim e à minha cor."
O Boletim de Ocorrência foi registrado como prática de "preconceito de raça ou de cor". A Lei Estadual nº 14.187/10 prevê punição a "todo ato discriminatório por motivo de raça ou cor praticado no Estado por qualquer pessoa, jurídica ou física". Se comprovado o crime, os infratores estarão sujeitos a multas e à cassação da licença estadual para funcionamento.
De São Paulo, da Radioagência NP, Jorge Américo.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011



CINE CARCARÁ SP



DOMINGO 
04/11/11
15 HORAS

EXIBIÇÃO DO DOCUMENTÁRIO
"MISSIONÁRIOS RADICAIS"

A ação da Igreja católica, através da Teologia da Libertação, na periferia de São Paulo, durante a ditadura militar nos anos 
70.

Após a exibição, bate papo com Eu Ni Ce e Sonia Regina Bischain, que participaram ativamente da Comunidade Eclesial de Base de Vila Penteado/Brasilândia

                                                                                                               ONDE:
                                                                                                                     ESPAÇO CULTURAL 
                                                                                                                ELO DA CORRENTE

                                                                                                                   RUA JURUBIM, 788
                                                                                                            PIRITUBA



INFORMAÇÕES:

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Jornal ÔXE

Acessem o Jornal ÔXE- Ponto de Mídia Livre.

Esse mês eles publicaram uma matéria sobre o Esperança Garcia e sobre o Sarau da Brasa.

http://blogduoxe.blogspot.com/, no blog entrar no link ÔXE online para acessar o jornal.

Axé

TRANÇANDO CONVERSAS

Realização: Manifesto Crespo

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A difícil condição sexual da Mulher Negra na África do Sul, Haiti e Brasil.

A pedido da companheira Isolda Natividade fizemos uma nova pesquisa temática sobre feminismo negro. Segundo a Isolda, o motivo da necessidade é a coisificação que sofrem as mulheres negras no carnaval carioca (e brasileiro). Assim, elaboramos um estudo que agrega parte da condição da mulher negra dentro de três países diferentes (África do Sul, Haiti e Brasil), e em qual é o principal patamar de cada um no que consiste a violência sexual.

Na África do Sul: 
Aids e “estupro corretivo” são questões de gênero 
Nontombi Tutu
Se não bastasse o fato da segregação racial (apartheid) ainda ser muito forte na África do Sul, a condição das mulheres negras é ainda mais vulnerável quando se coloca em questão os crimes sexuais.
Em uma entrevista dada a revista IstoÉ, a ativista Nontombi Tutu¹ revela que (assim como proferia Simone de Beauvoir, ao analisar a condição de “ser mulher” numa sociedade que universaliza o conceito de ser humano como “ser homem”) predomina na África do Sul a determinação de que ser mulher negra é...
ser considerada uma cidadã incompleta e menos ser humano do que as outras pessoas(...)”. E sentencia que a “África do Sul continua sendo um país extremamente patriarcal. A ideia de que o homem tem o direito de fazer o que achar que é correto com sua esposa, suas filhas e com as outras mulheres da sociedade ainda é muito forte . Por isso, as taxas de violência doméstica e sexual são altíssimas. ”


Dadas as devidas especificidades do machismo, também existe nos países da África uma forte rejeição masculina ao uso de preservativos (algo não muito diferente do que ocorre no Brasil). 
Segundo Nontombi Tutu:

 “(...)além de ser um problema de saúde pública, a pandemia de aids também é uma questão de gênero porque as mulheres são infectadas por seus parceiros e têm desenvolvido a doença mais cedo do que os homens. O impacto social disso é enorme. Há muitas mulheres criando netos ou filhos de vizinhos porque os pais das crianças morreram em decorrência da aids.”


Ao analisar o patriarcado sulafricano, a partir dos comportamentos observados em sua vida, Nontombi exemplifica em que condições a mulher sulafricana cresce (fica bem fácil de nos identificarmos com a situação geral das mulheres no Brasil) dentro de uma família/comunidade:  

“(...)O meu avô dava muito mais importância para o meu irmão do que para mim e para as outras netas. Isso pode parecer irrelevante hoje, mas quando eu era pequena não era. O que acontecia na minha casa era comum em toda a comunidade. Nas escolas, os meninos eram encorajados a agir com franqueza e ser comunicativos. Mas se as meninas tivessem as mesmas atitudes eram consideradas mal-educadas. Certas características que eram vistas como positivas nos meninos eram questionáveis nas meninas”. 

Todavia, a situação da sexualidade das mulheres na África do Sul fica mais grave, pois além do racismo e da epidemia de Aids, se lá a mulher for lésbica. Sua condição a torna vulnerável frente as doenças e diante da violência sexual, aumentam com uma pontência de ódio e intolerância ainda maior do que vem ocorrendo com gays no Brasil.

Já escrevemos aqui sobre a apologia ao estupro...
Millicent Gaika
(que os patriarcas denominam de “estupro corretivo”). Porém, na África do Sul estuprar lésbicas tornou-se mais do que uma apologia.
O estupro de mulheres lésbicas faz com que ativistas sul-africanas arrisquem as suas vidas na luta pela coibição de tal violência.
Uma petição de nível mundial em busca de assinaturas on line, clique no link para assinar, esta ocorrendo para ser destinada ao presidente do país africano Jacob Zuma e ao Ministro da Justiça para que ambos condenem publicamente o “estupro corretivo”. Além de criminalizem as praticas contra o estupro e a homofobia no país.
O caso que gerou a repercussão mundial foi da ativista lésbica Millicent Gaika (nas duas fotos). Ela foi atada, estrangulada e estuprada repetidamente durante um ataque no ano passado.
Segundo relatos de Millicent Gaika:
"Ele tirou minha roupa e me derrubou na cama. Ele estava me segurando para de cabeça para baixo, sufocando-me com o fio e empurrando as mãos no meu pescoço. Ele ameaçou me matar e jogar meu corpo no rio, eu pensei que ia morrer”.

E o estuprador ainda disse para ela: 
"Eu sei que você é lésbica. Você não é um homem. Você acha que você é, mas eu vou mostrar a você é uma mulher. Eu vou fazer você ficar grávida, vai ter que carregar um bebê meu”.


A África do Sul é reverenciada globalmente pelos particulares esforços de Mandela contra e pós-apartheid. Foi o primeiro país a proteger constitucionalmente cidadãos da discriminação baseada na sexualidade.  Entretanto é a capital do estupro do mundo. 
Segundo a ONG local Luleki Sizwe tem registros de mais de um “estupro corretivo” por dia, além do que ¼ das meninas sul-africanas serem estupradas antes de completarem 16 anos e que 62% dos meninos, com mais de 11 anos, acreditam que forçar alguém a fazer sexo não é um ato de violência. Mas não devemos nos espantar, pois a impunidade que predomina por lá é igual aos casos em que a Lei Mª da Penha se enquadra. Na época sua denúncia conquistou 140.000 assinaturas, forçando o Ministro da Justiça a responder ao caso em rede nacional.

 No Haiti, 
As mulheres são estupradas em acampamentos de desabrigados
Saiu semanas atrás na BBC e no G1, o resultado de um relatório divulgado no dia 06 de janeiro de 2011, que segundo a Anistia Internacional, dentro dos campos de refugiados do Haiti andam ocorrendo altos índices de estupros e violência sexual com as haitianas.
E ai nós nos perguntamos, mas estes acampamentos não são protegidos pelas “forças de paz”, inclusive as forças militares brasileiras financiadas por nossos impostos? Ou temos que procurar mais caroços neste angú?
Segundo o pesquisador da Anistia Internacional no Haiti, Gerardo Ducos, “gangues armadas atacam quando querem porque os bandidos se sentem seguros, já que há pouca chance de que sejam punidos, (...) a destruição de postos policiais e tribunais no país dificultou a denúncia e a punição destes crimes”, pois “o policiamento dos acampamentos é escasso e muitas vítimas de estupro dizem ter ouvido dos policiais que 'eles não podiam fazer nada' após comunicá-los dos ataques”. Mais de 250 casos de estupro foram registrados 5 meses após o tremor de terra.
Segundo uma das vítimas, “Suzie”, nome informado, “ela e uma amiga foram vendadas e estupradas por homens armados, que rondam os acampamentos, diante de seus filhos na madrugada do dia 8 de maio de 2010’. E depois que eles saíram, eu não consegui fazer nada, não tive nenhuma reação. Mulheres vítímas de estupro deveriam ir ao hospital, mas eu não fui porque não tinha dinheiro e não sei onde há uma clínica que oferece tratamento”.
Saibam as Maçãs Podres que tanto a Anistia Internacional quanto a BBC e o G1 “neglicenciam” fatos que comprovam que as “forças de paz” da ONU não se encontram lá no Haiti para proteger a população, mas para treinamento de guerra, gasto de verba pública e renovação do estoque das munições militares (pois diversos massacres já foram denunciados por ativistas e nada de efetivo foi feito ou anunciado na grande mídia).
Desde 31 de maio de 2004, o Brasil se encontra presente nesta missão no Haiti, inclusive exercendo o papel de comando das “forças de paz” (1 de junho de 2004) chamadas de MINUSTAH. Acusações de massacres, torturas e assassinatos já foram denunciadas nestes anos, porém pouca mídia se volta para estes casos. Numartigo minucioso, o históriador Marcelo Carreiro denúncia e relata as atrocidades da missão de paz no Haiti.
Em setembro de 2004, por exemplo, ocorreu o primeiro relato de um brasileiro acusado de estupro – e inocentado por falta de provas. Desde fevereiro de 2005, soldados paquistaneses são causadores de todo tipo de violência sexual e estímulo a prostituição. 111 soldados do Sri Lanka foram expulsos por acusações semelhantes. Contudo, como soldados de “capacetes azuis” possuem imunidade, qualquer expulsão não é garantia de punição.
Em maio de 2008, a ONG Save the Children publicou um relatório sobre abuso sexual de crianças por tropas da ONU, no Haiti inclusive. Nele, dois relatos são especialmente chocantes: "Eu tenho algumas amigas que têm ido para a cama com eles. Algumas delas são convidadas a dar-lhes um show lésbico, e elas são pagas para isso. " (Menina, Haiti) e "Quem iria saber? Nós não iríamos avisar a polícia porque eles têm medo dos soldados da paz e eles não podem fazer nada. Enfim, eu ouvi que a polícia faz esse tipo de abuso também. " (Menino, Haiti).
Elaborada, em primeiro lugar, para que o Brasil pudesse conseguir assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, e apesar do ufanismo apresentado na mídia sobre a  atuação militar brasileira no Haiti, a pretensa ação humanitária é desastre (se não dizer um “genocídio eugenista”).
Entretanto... a missão de paz ganhou contornos de treinamento militar, logo que o exército mapeou o local.
O especialista em assuntos táticos e de segurança nacional da Rede Globo de TV, o ex-capitão do Bope, Rodrigo Pimentel (autor do livro Tropa de Elite) descaradamente afirmou no Bom Dia Brasil que “as forças armadas do Brasil se encontram plenamente preparadas para ‘ocuparem’ os morros do Rio, pois estas regiões apresentam uma logística muito semelhante ao Haiti”. Veja imagens das tropas brasileiras em ação no Haiti e compare com as cenas que você viu no Brasil. O pior é que esta linha de raciocínio não é só dele, outros "especialistas" confirmam tal afirmação.
Fora todo o jogo político, existe a questão do financiamento militar. Até 2009 a MINUSTAH teve até um custo total de US$ 2.176.772.000, e o Brasil até arcou com gastos projetados de R$574.914.065,51 – excluindo-se as doações.
Agora as perguntas se tornam respostas, como poderiam as "tropas de paz" resguardar a integridade sexual das haitianas (e de toda a população daquele país) se estas mesmas tropas foram as primeiras a serem acusadas de violentar aquele povo?
Não acreditamos que todos os soldados que lá estejam são torturadores, estupradores e assassinos, mas a histórica realidade do exército e do homem brasileiro (e mundial) não contradiz a veracidade dos atos denunciados. E nem a política de interesses econômicos e militares dos países envolvidos demonstra uma só dúvida sobre os motivos da invasão de forças estrangeiras  por lá. Quando nos perguntamos o quanto o governo nacional gastará no auxílio aluguel dos desabrigados das chuvas, se percebe o quanto vale a ocupação no Haiti. É como dizia aquela música: "o Haiti é aqui" (e o Brasil é um outro Haiti).
No Brasil:
a Babilônia Carnavalesca e a outra mística feminina
Caras Maçãs Podres, nós temos que ser francas diante desta questão, a condição em que as mulheres negras se encontram tem uma grande contribuição de nós, mulheres brancas. Ao final do processo da escravidão, quando os negros foram os expulsos do engenho, os senhores e senhoras da casa grande decidiram que não colocariam nenhuma outra pessoa dentro da residência que não fossem as próprias escravas que serviam de amas-secas.
É válido lembrar que se hoje mulheres brancas e liberais brasileiras podem gozar de independência econômica e autonomia intelectual, foi preciso que babás e empregadas domésticas negras ficassem presas aos grilhões do cuidado de suas casas, em detrimento de sua própria vida. Eis que os dois primeiros modos de arrimo econômico da comunidade negra foram o trabalho doméstico e a prostituição. Partimos deste ponto para explicar como se originou a coisificação sexual e prostituição simbólica que são impostas as mulheres negras dando à questão racial a devida importância.
Historicamente... 
Imagens do Livro de Gilberto Freyre
"Casa Grande e Senzala em HQ" ...
era comum nos centros urbanos que nós mulheres negras fossemos forçadas a trabalhar como “escravas de ganho”, ou seja, propriedade de pequenos comerciantes, e não de latifundiários, que no Brasil imperial cobrava-lhe uma cota diária sobre a venda de seu corpo.  Como nesta época, ainda existiam poucas mulheres brancas no Brasil e as negras serviam para aliviarem as necessidades sexuais dos machos que não possuíam escravas e nem esposas. Além disso, dada a forte cultura cristã, era negado a qualquer mulher branca o direito do prazer sexual, o que obrigava as mulheres negras se dissimularem lascivamente na hora do coito pago. Foi a partir desta condição histórica que se desenvolveu no Brasil o mito da sexualidade da mulher negra como “boa de cama”. 
recomendado pelo MEC para discutir as
questões étnicas brasileiras, o livro mas-
cara o modo violento em que as relações
sexuais interraciais ocorreram no Brasil,
dizendo que tanto índias como negras
se encontravam "abertas e dispostas" as
 relações sexuais impostas pelos os
colonizadores brancos portugueses. 
Com o fim da escravidão, evidenciada em forma de exaltação do discurso, coube a produção intelectual brasileira, de Gilberto Freire a Jorge Amado, de Aluizio de Azevedo a José Lins do Rego, passando por Manuel Carlos, a manutenção da relação de  raça e exploração da sexual. De Gabriela cravo e canela, as representações de Xica da Silva ou Zilda (personagem representada pela atriz Roberta Rodrigues, na novela Mulheres Apaixonadas) as personagens negras são descritas de maneira idealizada, como eróticas, faceiras ou objetos sexuais.
Cheias de mística naturalista, no imaginário brasileiro, foi elaborada uma ideologia que justificasse o mito sexual da mulher negra. Nesta condição a mulher negra representa “uma Eva sem Adão”, onde, subjugado pela sua condição de escravo, o homem negro é descrito ao imaginário popular como cafetão de suas mulheres. E complementar a esta criação, as mulheres negras encontrariam nos homens brancos “o príncipe encantado dos contos de fadas”, pois sendo ele representante da aristocracia/burguesia é o único capaz de salva-la de sua condição miserável econômica.
Na novela Mulheres Apaixonadas,
de "Papai Manoel Carlos" "Zilda" era
uma empregada doméstica que tinha a
função de desvirginar o personagem
"Carlinhos", assim como ocorre o
personagem homônimo do Livro"Menino
de engenho" de José Lins do Rego 
Na escala da classificação hierárquica dos corpos, imposta intelectualmente pelas elites brancas do Brasil, houve uma necessidade do “embranquecimento” de nós mulheres negras. A mulher negra mestiça então passa a ser definida como “mulata”, é descrita como naturalmente sensual e bonita, enquanto a “mulher negra mais característica” é descrita como feia, maldosa e representante do trabalho braçal. Personagens que se encaixam neste exemplo são a “Isaura” (naturalmente bonita) e “Escrava Rosa” (má e ousada), do livro Escrava Isaura de Bernardo Guimarães. Tudo isso ocorreu por que a elite brasileira temia que uma revolta negra exterminasse a população branca, após ser lançada para fora dos muros do engenho.
Segundo Foucault, 
...toda produção intelectual cria um discurso de poder que força as pessoas a se relacionarem e se comportarem em conformidade com este discurso. Com isso, as pessoas acabam não entrando numa “crise existencial” ou um questionamento mais profundo de sua condição, pois se sentem integradas a papeis sociais que lhes são ideologicamente determinados. É assim que a sexualidade da mulher negra nos é socialmente apresentada, ao mesmo tempo, uma representação erótica do “permitido” e do proibido, pois a função dos dispositivos sexuais de poder é transferir para o corpo e a carne, o modus operant do controle social.  
Sendo o carnaval a festa da carne, nós mulheres negras, representantes de outra mística feminina, acabamos por ser “eleitas” como o principal símbolo da cultura da “não existência do pecado do lado de abaixo do equador”. A nossa anatomia foi leiloada e passou a representar a imanência da mulher brasileira e confirmar nossa diferença sexual frente a representação do homem brasileiro.

O feminismo negro e a outra "universalização" das mulheres
Somos descritas como aquela “submulher” que serve de oposição ao ideal do descendente europeu de “fêmea fria”.  A bunda grande em oposição ao seio farto. Porém, ainda assim, seja como bunda ou seio, nossa condição de objeto sexual é uma elaboração complementar do corpo feminino como propriedade masculina.  Segundo Sueli Carneiro existe nas Américas uma condição histórica que determina “a relação de coisificação dos negros em geral e das mulheres negras em particular”. A condição binária do estupro e da prostituição, ou seja, “a apropriação social das mulheres do grupo derrotado” é um dos fatores primordiais do patriarcado, e foi através destas duas condições que se construiu a hipersexualização da mulher negra. 
Drª Sueli Carneiro
Como ideologia somente, o mito sexual da mulher negra não se sustenta sem a divisão econômica e racial que atravessa toda a questão citada acima, na burguesia, a sexualidade não encontra a mesma dupla moral imposta às classes populares. O permitido (prostituição simbólica e naturalização da violência sexual sobre as mulheres negras) e o proibido (castração da sexualidade branca) encontram-se complementares, apesar de opostos, pois é a contradição sustentada sobre as mulheres que mascara a opressão sexual de gênero na qual somos todas, objeto de manipulação masculina. 
No fundo a coisificação hipersexual da mulher negra é uma evoluida variação da histórica exploração sexual das mulheres imposta pelo patriarcado, pois evita os gastos da prostituição instituida e faz com que os homens não incorram na punição designada pelo ato estupro.  Como escreveu Sueli Carneiro:

“Enegrecer o movimento feminista brasileiro tem significado, concretamente, demarcar e instituir na agenda do movimento de mulheres o peso que a questão racial tem na configuração, por exemplo, das políticas demográficas, na caracterização da questão da violência contra a mulher pela introdução do conceito de violência racial como aspecto determinante das formas de violência sofridas por metade da população feminina do país que não é branca; introduzir a discussão sobre as doenças étnicas/raciais ou as doenças com maior incidência sobre a população negra como questões fundamentais na formulação de políticas públicas na área de saúde; instituir a crítica aos mecanismos de seleção no mercado de trabalho como a “boa aparência”, que mantém as desigualdades e os privilégios
entre as mulheres brancas e negras. (...) A utopia que hoje perseguimos consiste em buscar um atalho entre uma negritude redutora da dimensão humana e a universalidade ocidental hegemônica que anula a diversidade. Ser negro sem ser somente negro, ser mulher sem ser somente mulher, ser mulher negra sem ser somente mulher negra. Alcançar a igualdade de
direitos é converter-se em um ser humano pleno e cheio de possibilidades e oportunidades para além de sua condição de raça e de gênero. Esse é o sentido final dessa luta”.


(Decidimos adicionar o vídeo feito por Patrick Monteiro, quando ainda era membro do Grupo Kilombagem, com objetivo de ser usado sobre a cultura negra)

Fica agora a tradicional pergunta final das Maçãs Podres: 
depois de lerem tanto sobre a rejeição do uso do preservativo, estupros "corretivo" em companheiras lésbicas, do uso de estupros como arma de guerra, hipersexualização do corpo feminino (em especial, da mulher negra, pois desde a escravidão usam  nosso ventre para produzirem escravos sem custo) será que alguma mulher ainda não acredita que a questão do controle sexual das mulheres e da gravidez feminina não é a tática fundamental dos machos de nossa espécie pra nos manter na condição de cativas?  
Vão pensando ai...

(Este texto faz parte do estudo "Por um feminismo brasileiro amplo e não fragmentado". 
Viva o movimento feminista! 
Texto: Ana Clara Marques e Patrick Monteiro