
Nosso foco é a ‘Beleza Negra’ presente mas ocultada no cotidiano pela ausência de representação. O espelho deve refletir nosso rosto, ainda que, emaranhados são os cabelos e os caminhos da afirmação, cada entrelaçar de fios trazem em si os tempos de criança entre as pernas da mãe e na memória a trança bem apertada na intenção de valorizar o crespichaim e dar uma ‘rasteirinha’ fininha na chapinha.
O nosso bate papo crespo vem desembaraçar e assanhar nossas cabeças, rememorar um pouco da história e contribuir nesse caminho de afirmação e positividade que nossa beleza carrega. Armado é também o nosso desejo de compartilhar os saberes de nossas cabeças fortalecendo a nossa identidade. Essa troca de conhecimentos nos ajuda a refletir sobre e como nossa imagem negra afirmada se apresenta e é representada diante de uma sociedade que não se diz negra.
A “Estética Negra está Enraizada em nosso cotidiano” e o que precisamos é retomar nossas origens e colocar nossas memórias e práticas à serviço da nossa beleza.
Realização: Coletivo Cultural Esperança Garcia - 5ª Edição Zine
Cabelo-Afro: Estética e Beleza
Nossos ancestrais desde os tempos da escravatura guardavam suas identidades no estilo próprio de se vestir e pentear. Herdamos dos africanos e africanas um especial toque e gosto de enfeitar nosso corpo e cabelos.
O uso de penteados em tranças, o pano da costa em diagonal na frente do corpo, as pulseiras, os anéis, os colares, os pingentes presos à roupa, os turbantes, estavam presentes no modo das mulheres negras vestirem-se no século XIX.
Durante o século XX, a estética afrodescendente foi atingida pela disseminação de um padrão de beleza, os meios de comunicação de massa (cinema, revistas, jornais) tentaram ridicularizar e desvalorizar qualquer estética que remetesse aos africanos. No entanto, neste mesmo século, dos anos cinquenta em diante, o movimento negro, as independências na África, a luta pelos direitos civis dos negros norte-americanos, a (re)aproximação do Brasil à África e a consequente valorização de nossas ligações com as culturas africanas fizeram com que se fosse recuperando, pouco a pouco, o olhar positivo sobre a estética afrodescendente. A partir da década de 1970, os cabelos black power, os muitos estilos de tranças e penteados afro começaram a adornar lindamente cada vez mais as cabeças pensantes.
As tranças e penteados, de sofisticada elaboração, são fruto de técnicas passadas de geração a geração. Demorados, delicados e criativos, permitem que uma série de adornos possa ser agregada ao cabelo, além de apliques com cores diferentes e tamanhos variados. E requerem um cuidado especial na lavagem e secagem, estimulando uma relação de contato e atenção especial. O cabelo crespo pode até ser motivo de incômodo para uns, mas igualmente pode ser de vaidade e muito charme para outros, para muitos cuidar dos cabelos afro significa de fato, não perder a raiz. As especialistas em penteados afros fazem obras de arte com o cabelo. Em geral aprenderam o ofício desde muito jovens, com mulheres mais velhas das suas famílias.
Cabelo-Afro: Expressão e Reconhecimento
Não é simples para um jovem negro reivindicar um modo de se apresentar que marque sua afrodescendência. E não é só a força da mídia branca que impõe uma aparência para disfarçar a negritude, os que escolhem revelar essa aparência mais negra enfrentam também
o preconceito de outros jovens e de uma parte da sociedade.
Elas e eles tem que ter atitude para manter sua escolha. Isso não quer dizer que uma jovem que alise o cabelo, ou que faça relaxamento, esteja distante de suas raízes negras. Assumir o posto e o respeito pelas diferentes formas da estética negra é muito mais do que fazer penteados de estilo afro. Mas sem dúvida, os adornos multicoloridos, as tranças, os dreads e blacks dão um toque especial e sinalizam mais que um pertencimento, um orgulho dessa herança.
Alisando o Nosso Cabelo por *BELL HOOKS
“..Existem momentos em que penso em alisar o meu cabelo só por capricho, aí me lembro que, mesmo que esse gesto pudesse ser simplesmente festivo para mim, uma expressão individual de desejo, eu sei que gesto semelhante traria outras implicações que fogem ao meu controle. A realidade é que o cabelo alisado está vinculado historicamente e atualmente a um sistema de dominação racial que é incutida nas pessoas negras.
Fazer esse gesto como uma expressão de liberdade e opção individual me faria cúmplice de uma política de dominação que nos fere. É fácil renunciar a essa liberdade. É mais importante que as mulheres façam resistência ao racismo e ao sexismo que se dissemina pelos meios de comunicação, e tratarem para que todo aspecto da nossa auto representação seja uma feroz resistência, uma celebração radical de nossa condição e nosso respeito por nós mesmas.
Durante anos, ainda considerava isso um problema. Ele não era natural o suficiente, crespo o necessário para fazer um black interessante e decente, o cabelo era muito fino. Essas queixas expressavam a minha continua insatisfação. A verdadeira liberação do meu cabelo veio quando parei de tentar controlar em qualquer estado e o aceitei como era.
Só há poucos anos é que deixei de me preocupar com o quê os outros possam dizer sobre o meu cabelo. Só nesses últimos anos foi que eu sentir consecutivamente o prazer lavando, penteando e cuidando do meu cabelo. Esses sentimentos me lembram o aconchego e o deleite que eu sentia quando menina, sentada entre as pernas de minha mãe, sentindo o calor do seu corpo e do seu ser enquanto ela penteava e trançava o meu cabelo”.
- Trecho extraído da Revista Gazeta de Cuba – Unión de escritores
y Artista de Cuba, janeiro-fevereiro de 2005. Tradução do espanhol:
Liam Maria dos Santos.
Retirado do blog coletivomarias.blogspot.com/.../alisando-o-nossocabelo.html
*Gloria Jean Watkins, mais conhecida como Bell Hooks é escritora e ativista feminista . Seu trabalho enfoca principalmente o estudo de sistemas de dominação e opressão, particularmente aqueles associados a questões de raça, classe e gênero.
Ela publicou mais de trinta livros e numerosos artigos acadêmicos.
FALANDO SOBRE CABELO...
por Raquel Almeida
FALANDO SOBRE CABELO...
por Raquel Almeida
Dreads do Bob Marley ou Bob Marley
dos Dreads?
“Crianças
vivam a sua cultura(Estilo dread nativo)
E não
fiquem parados com gestos (Estilo dread nativo)
Trecho
“Natty Dread” Bob Marley
Há
sempre um incomodo escancarado nos becos que ando por aí, minha mãe sempre
disse que um dia eu ia levar uma porrada na rua por encarar as pessoas, por
andar de nariz empinado, oras, como se fosse pecado. Há exatamente 2 anos e 3
meses uso dreadlooks, sonho meu desde que afirmei minhas raízes.
Quando
era adolescente costumava a usar tranças soltas feitas pela minha prima Mila,
coitada da Mila passava 4 horas ou mais traçando minhas madeixas. Minha mãe era
a primeira em casa a me chamar de Bob Marley, até então, conhecia as musicas e
confesso, gostava bastante, mas como me achava uma adolescente roqueira, nunca
assumi que gostava de reggae, samba, entre outros gêneros musicais. O fato é
que essa comparação me irritava muito, mas como uma boa pirracenta que sou
continuava trançando. Minha mãe achava que usar tranças estragava o cabelo, mas
pra mim, era uma forma de me sentir livre, não sabia definir a sensação, mas
acordar todo dia sem passar pelo pesadelo dos pentes e dos cremes de pentear
era um grito de liberdade de fato. Lembro de ter usado, uma vez, ferro de
passar no cabelo, meu pai ficou uma fera comigo, mas as pessoas, atrevidas como
sempre, falavam que eu estava linda, o engraçado é que olhando uma foto que eu
estava de cabelos ferrados, não estou ali, estou longe, bem longe.
Depois,
tive uma briga feia com os cachos e cortei bem o cabelo, considerando que eles
eram longos, cortar o cabelo no pescoço para as pessoas e seus enxerimentos foi
um absurdo. Minha mãe acha que eu gosto de desafiar aspessoas, sempre as pessoas
e seus pudores. Pois é, não podia nem cortar meu cabelo! Usei muito tranças de
raiz, por um tempo, e tinha que aturar as pessoas dizendo “mas seu cabelo não é
tão ruim”, “mas você fica com cara de neguinha”, raramente alguém dizia “nossa,
combina mais com você”.
Os
dreads pra mim eram um sonho. Me preparei durante dois anos pra poder fazê-los,
esperei pacientemente e um belo dia marquei horário com uma amiga e ela formou
os tão esperados dreads.
É
sim uma mudança radical, não nego, até porquea gente pensa que os dreads vão
ficar longos e soltos e os meus, no caso, ficaram curtos e espetados.Achei que
não iam mudar, mas os dreadlooks são uma metamorfose nas nossas metamorfases,
eles se moldam e tem seu tempo certo pra florir, quem usa ou quem já usou sabe
bem o que eu digo. É como uma planta, que você cultiva, lava, rega, hidrata,
perfuma, e vai descobrindo varias formas de cuidar, desvendamos os mistérios
dos dreads quando passamos a tê-los.
Por
varias vezes, andando pelas ruas ouço "Bob Marley” ou “olha só o cabelo do
Bob Marley”, às vezes só o olhar já basta pra saber que essas pessoas estão
muito incomodadas, demais até.Outro dia andando com minha irmã passou uns caras
num carro e cantaram: “I wanna love you and treat you right”, cantaram a letra toda
errada, nem sabiam o que diz a letra, minha irmã ficou brava, eu sorri. Não foi
a primeira vez, nem será a ultima. Outra coisa: ser comparada ao Bob não é
ruim, como devem achar, mas eu preferia ser comparada a Rita Marley que também
possui dreads, lindos dreads por sinal, mas comonão conhecem mulheres com esse
penteado tão encantador e provocativo será sempre Bob Marley que eu e outras
companheiras vamos ouvir.
Comecei a prestar mais atenção
no que tanto incomoda as pessoas, afinal, quem usa dreads sou eu. Boa parte,
mas boa parte mesmo acham os dreads bonitos, mas não tem coragem de falar,
porque tem medo do que os outros vão pensar, ou porque o padrão de beleza
estabelecido não tem jamais uma pessoa de dreads, outras porque pensam que tem
piolho. Ué, todo cabelo liso, crespo, dredado, trançado está sujeito a pegar
piolho.Outro dia uma mulher me perguntou, “como se cuida de um cabelo desse
pelo amor de deus”, eu com toda a paciência, respondi: “como se cuida de
qualquer tipo de cabelo, lavando, secando...” devo ter falado algo a mais, mas
não lembro ou não quero lembrar, às vezes nossas grosserias nos tiram a razão.Quando
se permitem, tocam, elogiam, e eu gosto, é tão gostoso receber carinho nos
dreads.
Os mais “engraçadinhos” são os
adolescentes, é só olhar pra minha cara e começam a rir, eu rio também,
desaguo, dou gargalhadas, eles se assustam, até que param, depois o olhar é
sério, como se falasse, “por quê?”, “pra que?”, e quando se aproximam mais, me
tratam com carisma, devem me achar descolada.
Ser “diferente” no seu
bairro, na sua rua, na sua casa, é muito mais agressivo, não tem perdão, a fala
é na lata, e não tá nem aí para a estética negra ou pro movimento negro e muito
menos querem saber quem foi Bob Marley. Sempre me pergunto: Quando nós vamos
nos enxergar como próximos de fato? Por vezes, penso que tudo relativo à questão
racial envolvendo a estética é só utopia.Se eu chegar pra uma menina da minha
rua, ela com certeza vai dizer pra mim que estética negra (isso se ela se achar
negra) é chapinha no cabelo. Os motivos?Diversos:“porque não precisa lavar todo
dia”, “porque não gasta tanto”, “porque é mais prático” entre vários outros argumentos.
Usando dread percebi que os custos com uma progressiva,
por exemplo, são os mesmos, mas é muito mais fácil fazer o que está imposto do
que quebrar padrões, até porque questão de pele não é discutível, se eu sou
menos pigmentada na favela, eu sou branca e a retinta é morena e por aí vai.
Não basta fazer passagens dizendo que o cabelo crespo é lindo, o trabalho
começa em casa e devia ser ampliado nas escolas e infelizmente não é o que vejo.
Uma vez, na escola que
estudei, um professor de ciência teve a pachorra de dizer que “o Bob Marley
tinha mais de mil tipos de piolhos nos cabelos, e que isso afetou o cérebro que
gerou a doença que ele teve e por isso ele morreu”. Como pode? Um professor!
Ele não sabia o que estava falando, lógico, mas às vezes passando por escolas,
percebo que os professores são os mesmos e suas metodologias também,isso é
muito triste.
Andando nas ruas, vejo
quanto o diferente, que deveria ser comum, é rechaçado, e os trabalhos de base
são uma gota no oceano. Hoje, numa escola do bairro, perguntei se alguém
conhecia Martin Luther King, o que era discriminação, ninguém soube me dizer
nada, nem os professores, perguntei sobre Racionais Mcs todos levantaram as
mãos dizendo é “Nóis, aí sim”, mas quando perguntei se prestavam atenção de
fato nas letras, ficaram em silencio, falei o trecho de uma, e perguntei se
alguém já tinha prestado atenção que o Mano Brown citava Luther King, Malcolm
X, Zumbi dos Palmares, dava pra ouvir os grilos de tanto silencio. Na mesma
escola,sempre que passo ouçoos alunos gritarem das salas de aula “Bob Marley!”.
Nossas referencias são
piadas? E se tornaram por quê?
Quando temos uma história
elas são distorcidas e o pior: nós acreditamos nas distorções. Não me importo!
Podem chamar de Bob Marley, mas ficaria muito mais feliz se a comparação fosse uma
exaltação, mas mesmo com as tentativas de depreciação, encarosim como uma
exaltação as minhas raízes, uma exaltação!